Edição 329 - A influência chinesa sobre a política nos EUA
Nesta edição: Mais um ministro preso por corrupção | Vazamento de dados sensíveis pode expor hackers chineses | Jovens burlam restrições a games | Wukong injustiçado
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Operação Terra Limpa. O ex-ministro da agricultura da China Tang Renjian foi preso na terça-feira (10) sob acusações de aceitar suborno e outras formas de corrupção, conta a Reuters. Chamou atenção a rapidez do processo: ele foi investigado por violações disciplinares em maio, demitido em setembro, expulso do Partido Comunista em novembro, e preso no mês seguinte. Nas acusações também consta a não implementação das políticas de agricultura do governo central, além do fato de ter aceitado presentes e viagens para benefício pessoal. Tang foi ministro entre 2020 e 2024.
Quem vigia o vigia? Funcionários de empresas e órgãos governamentais chineses estão desviando e vendendo dados sensíveis. Esses casos estão no centro de um crescente mercado ilegal de dados que tem comercializado informações coletadas pelo próprio sistema nacional de vigilância. Anúncios clandestinos recrutam insiders com acesso privilegiado, oferecendo altos pagamentos em troca de dados extraídos de redes de telecomunicações e ferramentas de inspeção profunda de pacotes (usadas para analisar conteúdos transmitidos pela web e, possivelmente, bloqueá-los). Esses vazamentos abastecem plataformas ilegais conhecidas como social engineering databases, que armazenam informações pessoais detalhadas, desde nomes e endereços até dados financeiros, senhas e registros de dispositivos.
No resto do mundo, o caso tem sido visto como uma oportunidade – com uma pitada de ironia: além de representar graves riscos à privacidade de cidadãos chineses, essas informações permitem que especialistas ocidentais rastreiem cibercriminosos, inclusive grupos estatais associados ao governo chinês, e tenham mais detalhes sobre os atores por trás de ataques a infraestruturas críticas. Como sempre comentamos por aqui, acusações de espionagem cibernética atribuídas a hackers chineses são muito comuns.
Dos bastidores ao centro do jogo político. John Chan tem emergido como uma figura central na política nova-iorquina – e nos debates sobre influência estrangeira sobre a política local nos Estados Unidos. Com um histórico controverso que inclui possíveis colaborações com o FBI, Chan consolidou sua posição como um influente intermediário na comunidade sino-americana e uma figura próxima ao Partido Comunista Chinês (PCCh). Utilizando uma rede de ONGs e associações empresariais, Chan exerce influência em eleições locais, organiza viagens de políticos estadunidenses à China e promove eventos alinhados aos interesses de Pequim. Recentemente, ele esteve associado à derrota de candidatos considerados desfavoráveis ao governo chinês, como a senadora Iwen Chu, nascida em Taiwan. Ele também desempenhou um papel na organização de recepções calorosas para Xi Jinping durante visitas aos EUA. O caso de Chan não é um fenômeno isolado – o Falun Gong, com seu Epoch Times, também foi pauta ao longo deste ano por conta do impacto de suas narrativas políticas sobre os públicos norte-americanos.
Falando em influência chinesa e Estados Unidos, o embaixador da China em Washington Xie Feng convidou mais jovens estadunidenses a conhecer seu país para “formarem uma visão objetiva e racional” sobre ele. Segundo Xie, 14 mil jovens dos EUA visitaram a China no último ano, parte de um projeto que busca atrair, em cinco anos, 50 mil estudantes daquele país para intercâmbio. Como já contamos por aqui, a diplomacia educacional tem contribuído positivamente para a percepção da China por jovens do Sul global. Quanto ao seu impacto sobre seus maiores rivais, muitos outros fatores estão envolvidos nas tentativas de influência – entre eles, o possível banimento do TikTok, que continua a avançar nas cortes estadunidenses.
Os jovens têm driblado os bloqueios de jogos na China. Apesar das rígidas regras que limitam o tempo de jogos online para menores de 18 anos, os jovens chineses estão contornando as restrições usando contas de parentes ou amigos mais velhos, alugando perfis em mercados paralelos e até mesmo enganando os sistemas de reconhecimento facial com fotos de adultos. Esse cenário – como tudo no mundo – gerou um mercado de contas falsas e tem gerado um problema ainda maior: a exposição de menores a golpes, fazendo disparar os casos de fraudes coletivas, envolvendo milhares de jovens.
Só para fazer um recap, as restrições foram implementadas em 2021 e limitam o tempo de jogo a apenas uma hora nos fins de semana e feriados, das 20h às 21h. A medida foi amplamente apoiada por pais preocupados com a “dependência” de jogo. Apesar disso, um estudo recente revelou que mais de 77% dos jovens conseguem burlar as regras, questionando a eficácia dessas políticas. Em dezembro de 2022, o governo havia declarado vitória na luta contra essa forma de “ópio espiritual” – à época, 75% dos jovens jogadores declararam restringir a atividade a três horas por semana.
Planejamento estratégico. Mesmo com a pressão social e governamental para as pessoas terem mais bebês, o mercado de trabalho segue prejudicando as mães - que após retornarem da licença maternidade, são demitidas ou não são consideradas para promoções. Isso sem contar as mulheres que nem são contratadas porque acabaram de ter filhos ou podem acabar engravidando, como relata bem este texto da Sixth Tone (de 2017). Por isso, algumas mulheres chinesas na área de tecnologia estão planejando de forma estratégica quando terão filhos, conta este texto da Perpetual Light Studio (极昼工作室) traduzido por Jeffrey Ding do ChinaAI. Algumas das “dicas” de uma profissional experiente incluem engravidar logo após o bônus anual e estar de licença maternidade durante a época das provas anuais de concurso na China (para poder fazer as provas). Em empregos formais na China, não é permitido demitir durante a gravidez e nem durante a amamentação (o primeiro ano posterior ao nascimento da criança). Assim, engravidar durante períodos de crise na empresa pode ser uma saída para uma demissão tardia (e até escapar de demissões em massa).
Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.
Marmelada: Apesar de não ter conquistado o prêmio de jogo do ano no Game Awards 2024, Black Myth: Wukong foi coroado como o melhor jogo de ação. Ele também levou o título de jogo do ano na categoria Player's Voice, onde o público tem a palavra final.
Mala com alça: Quem nunca pegou uma mala de outra pessoa no aeroporto sem querer, que jogue a primeira pedra. Os chineses estão adotando uma ideia boa demais para não copiarmos, adesivando e decorando suas malas para não se perderem na jornada até o seu destino.
Vem aí: O think tank alemão Merics lançou um brief sobre pontos de atenção sobre a China em 2025, incluindo economia, Trump e benefícios sociais.
Percepção: Já que temos visto bem mais carros chineses nas ruas brasileiras, vale a leitura deste texto do professor Paul Musgrave; ele se mudou dos EUA para o Qatar, onde observou a expansão do mercado de carros de empresas chinesas para o mundo – algo que ele acredita que os estadunidenses não estão percebendo.
A professora e pesquisadora Liu Mengfei fala com o The World of Chinese a respeito de literacia sobre jogos de videogame na China e o seu papel educacional para jovens.
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