Edição 347 – Brasil e China reafirmam compromissos de cooperação
Nesta edição: Trégua no tarifaço | Cerco em Hong Kong | Meituan | Universo pet
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Errata: Na semana passada, recomendamos a leitura da reflexão de Natalia Cote Munoz ao se deparar com mudanças ocorridas na China durante o tempo em que esteve fora do país – mas ao contrário do que dissemos, foram oito anos (não meses) de ausência.
Trégua? Para dar mais uma reviravolta na novela dos tarifaços, um inesperado acordo entre Estados Unidos e China suspendeu, por 90 dias, o que já era considerado uma das escaladas tarifárias mais severas entre os dois países. As tarifas sobre produtos chineses caíram de 145% para 30%, enquanto as tarifas chinesas foram reduzidas de 125% para 10%. O anúncio, feito em Genebra após negociações intensas, provocou uma onda de otimismo nos mercados globais e uma explosão de atividade em portos e fábricas chinesas, com empresas dos dois lados correndo para aproveitar a janela temporária. A trégua, no entanto, pouco resolve as tensões estruturais. As tarifas permanecem mais altas do que antes da crise e os impasses de fundo, como a disputa por tecnologia, a pressão sobre cadeias de suprimento e o papel da China na crise dos opioides, seguem latentes.
Em Pequim, o acordo foi interpretado como uma validação da estratégia de resistência ao que o governo chama de “bullying econômico”. O recuo parcial dos EUA sinaliza que Washington também deveria estar encurralada economicamente. O presidente Donald Trump tenta vender a trégua como vitória, ao mesmo tempo em que mantém tarifas vinculadas ao fentanil e sinaliza que novos instrumentos de pressão poderão ser usados.
Não dá pra ganhar todas, mas perder... Legisladores de Hong Kong publicaram na última segunda-feira (12) uma proposta de mecanismo que permitiria a expansão dos poderes de Pequim sobre a região administrativa especial (RAE). De acordo com o texto, servidores civis e departamentos governamentais devem colaborar com os esforços do escritório local de Pequim responsável por supervisionar a aplicação da Lei de Segurança Nacional (LSN, conhecida como Artigo 23) da RAE, aprovada em março de 2024; também seria oferecida imunidade legal para instituições, organizações e indivíduos que “agirem de boa fé” ao ajudar o escritório. Além disso, passaria a existir a obrigação de confidencialidade de informações para qualquer pessoa que saiba – ou acredite saber – que uma investigação está em andamento. De quebra, o texto concretizaria o artigo 55 da LSN imposta por Pequim em 2020, oferecendo à China continental a jurisdição de casos relacionados a segurança nacional – o que, segundo críticos, seria uma concretização da Lei de Extradição proposta em 2019 e removida após os maiores protestos já realizados em Hong Kong.
Brasil Brasil Brasil: A missão presidencial de Lula à China inaugurou uma nova etapa nas relações, com uma agenda marcada por pragmatismo econômico, ambição geopolítica e discursos afinados. A viagem reuniu ministros e mais de 150 empresários, incluindo do setor agropecuário. Logo no primeiro dia, o anúncio de um investimento de US$ 1 bilhão na produção de SAF (combustível sustentável de aviação), liderado pela chinesa Envision, sinalizou o interesse mútuo em integrar cadeias produtivas de baixo carbono. A agenda também incluiu o Fórum Empresarial Brasil-China, que anunciou R$ 27 bilhões em novos investimentos chineses no Brasil, incluindo setores como energia, mobilidade elétrica, café e biotecnologia. Além disso, dentre os 20 acordos e cartas de intenções assinados, teve também sobre economia digital também foram assinados, incluindo de cooperação na área de inteligência artificial, como treinamentos de grandes modelos de linguagem, e de telecomunicações, com a construção de data centers, satélites e diversas infraestruturas relacionadas.
Na China, Lula reafirmou o papel estratégico do agronegócio nas exportações brasileiras, mas defendeu que o país deve utilizar essa vantagem para investir em inovação e educação. Ao lado de Xi, Lula reforçou o compromisso com o livre comércio e criticou as sanções unilaterais impostas por Washington, em sintonia com a retórica chinesa contra o “bullying” do Norte Global. No pano de fundo, o encontro entre líderes da América Latina e Caribe com Xi reforçou o movimento de aproximação da China com a região, num contexto em que Pequim disputa influência direta com os Estados Unidos. Para o Brasil, a visita tem sido reconhecida como uma peça chave nessa frente do Brasil como interlocutor preferencial do Sul Global.
Em mais um gesto de aproximação econômica, a China anunciou a abertura de seu mercado para uma nova leva de cinco produtos agropecuários brasileiros, ampliando a diversidade da pauta exportadora e fortalecendo a confiança no sistema sanitário nacional. O anúncio na terça (13) ocorreu durante o final da missão presidencial liderada por Lula em Pequim. A medida foi celebrada por entidades do agro como um avanço estratégico, abrindo espaço para setores que antes tinham acesso limitado ou nulo ao gigante asiático. A estimativa de impacto chega a US$ 20 bilhões. Além disso, foram assinados acordos que vão da cooperação em inteligência artificial na agricultura à promoção de biocombustíveis e mecanização da agricultura familiar. Com isso, Brasil e China sinalizam não apenas interesse comercial mútuo, mas também a construção de uma agenda de colaboração tecnológica e produtiva de longo prazo. O timing é complexo, com o anúncio de casos de gripe aviária no Rio Grande do Sul e a suspensão da compra de carne de frango ontem(16) pela China, União Europeia e Argentina, conta a Folha de S. Paulo.
Meituan no Brasil. Os boatos eram verdadeiros: o serviço de entregas chinês confirmou na segunda-feira (12) que está chegando ao mercado brasileiro sob o nome Keeta, sua identidade internacional. E não chega de mãos vazias: a empresa promete investir US$ 1 bilhão (R$ 5,6 bilhões) no Brasil até 2030 e almeja cadastrar 100 mil entregadores no primeiro ano de operação. A concorrência local já se movimenta para garantir sua fatia de mercado, zerando taxas para restaurantes, mas a liderança dos motociclistas que realizam entregas não está otimista com relação às condições de trabalho a longo prazo. Como contamos por aqui, o histórico trabalhista da Meituan não é muito diferente das empresas nacionais – e, na falta de concorrentes fortes no mercado, a coisa fica difícil para os restaurantes também.
Rapidinha: a visita de Xi à Rússia também rendeu frutos. Os dois líderes emitiram um comunicado conjunto. No China Neican, uma análise dos temas principais, como história, relação com o Ocidente, multipolaridade, e mais.
Feitos um para o outro – e para a internet. Em outubro de 2024, o ciclista e blogueiro Zhao Shuo viajava por Xinjiang quando, de noite, sua barraca foi invadida por um gatinho irresistível. Zhao decidiu adotá-lo e lhe deu o nome Wukong (sim, aquele). O gato passou a acompanhá-lo em suas aventuras e, juntos, eles conquistaram a internet chinesa. No entanto, Wukong morreu sob circunstâncias misteriosas no começo de abril, gerando todo tipo de reação entre seus fãs: tristeza, sim, mas também indignação pelo fato de que Zhao permitia que o gato circulasse livremente sem supervisão, e muita revolta sobre a falta de clareza sobre a causa da morte, com apelos por uma investigação mais séria sendo feitos até por celebridades. Zhao Shuo pediu desculpas por ter "criado uma opinião pública negativa” e alertou que os fãs não acreditassem em nenhum boato – e nem no que ele mesmo diz. A declaração, é claro, levou a novas especulações sobre pressão governamental para pôr fim ao assunto.
O episódio ilustra bem as mudanças das atitudes da sociedade chinesa em relação aos animais de estimação. Em fevereiro, um relatório do banco de investimentos Goldman Sachs informou que em 2024, o número de pets na China superou pela primeira vez o de crianças abaixo de quatro anos de idade, estimando que em 2030 o número de bichinhos deve ser o dobro do de crianças. O crescimento do número de lares com pets é uma tendência recente, iniciada em 2010, e está relacionada à preferência de casais jovens por não ter filhos e pelo aumento do home office por causa da pandemia de Covid-19. Segundo relatório do China Briefing, o mercado chinês focado nos animais de estimação atingiu a marca de 298,8 bilhões de renminbi (US$44,4 bilhões) em 2021 e a previsão era de que chegasse a 445,6 bilhões (US$66,1 bilhões) em 2023.
Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.
Investigação: Uma reportagem da pesquisadora Razan Shawamreh relata a participação chinesa nos assentamentos israelenses, apesar da postura oficial da China de que “Gaza pertence aos palestinos”.
Colab: depois das jaquetas estilo tang da Adidas, a moda agora é a colaboração da marca com a Universidade Tsinghua.
Não combina: as mudanças climáticas estão afetando a produção de chá na província de Zhejiang - que é uma das regiões principais para isso, conta esta matéria da Sixth Tone.
O famoso diretor Jia Zhangke visitou o também famoso Criterion Closet para dizer quais são seus filmes favoritos da coleção de clássicos da instituição.
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