Edição 348 – Boom dos data centers na China encontra problemas
Nesta edição: Xi Jinping estuda IA | Sucesso da BYD na Europa | China apoia OMS | A desvalorização do diploma gringo
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The hype is real. A pauta está em todo lugar e há uma corrida do ouro pela criação de data centers pelo mundo, mas vale olhar para alguns casos na China antes de entrar na onda. No ano passado, contamos sobre a preocupação com o crescente consumo de energia de data centers por causa da inteligência artificial (mas não só), e como essas estruturas na China não eram tão verdes assim. Nesta semana, uma matéria da Caixin conta como os grandes modelos de linguagem (LLMs) estão puxando uma parte significativa da demanda por essas estruturas e como o governo tem incentivado ainda mais que elas sejam construídas na região oeste do país, onde a energia renovável é mais abundante, a eletricidade é mais barata e há menos demandada humana (visto ter uma população menor). Ainda que empresas gigantes como a Tencent estejam investindo pesado na infraestrutura no oeste, o cenário de pessimismo se manifesta neste texto da repórter Caiwei Chen no MIT Technology Review. Chen conta que cerca de 80% do poder computacional construído nos últimos anos não está sendo totalmente usado, também em parte pelo Deus-nos-acuda da corrida para construir e operar - nem sempre bem - essas estruturas. O boom começou nos últimos 3 anos, após o lançamento do ChatGPT e não tem sido fácil: empresas entram no hype sem entregar produtos, governos locais tentam criar incentivos, subsídios são oferecidos sem percepção real da demanda, e o governo central corre atrás do prejuízo nas emissões de CO₂ e consumo de água e energia. A história não é tão distante de outras por aí.
Hora do estudo. O próprio Xi Jinping tem feito muitas reflexões sobre o tema da inteligência artificial. No final de abril, o Politburo realizou uma das suas reuniões de estudo estratégicas e o tema da vez foi IA, com participação do professor Zhang Nanning, especialista da Universidade de Xi'an Jiaotong. O líder chinês fez alguns comentários sobre o desenvolvimento e difusão da tecnologia e a sua importância para a China, bem como a necessidade de focar nas aplicações da IA, mas de forma “saudável e organizada”, e demonstrando preocupação com os riscos existentes. Este texto no ChinaTalk explica um pouco sobre as sessões de estudo, o que deu para ver neste debate específico, e compara com a outra reunião sobre esse tema que foi feita em 2018. O gatilho para trazer a pauta pode ter sido o lançamento e sucesso do DeepSeek. Se você quiser mergulhar um pouco mais em outras análises, o DigiChina de Stanford reuniu oito especialistas para discutirem a visão de Xi.
Pole position da BYD também na Europa. A montadora chinesa superou a estadunidense Tesla no mercado europeu pela primeira vez no mês de abril: foram 7.231 veículos elétricos (VEs) vendidos pela BYD contra 7.165 da concorrente. O mercado de VEs na Europa está em crescimento (28% em 12 meses) em grande parte pela chegada das montadoras chinesas, apesar de tarifas impostas pela União Europeia. Não chega a ser uma surpresa: como já contamos por aqui, em 2024 a BYD vendeu mais carros pelo mundo do que a Tesla.
As baterias chinesas também levam dinheiro para a Europa. Segundo um relatório do Rhodium Group em parceria com o MERICS, a China investiu 10 bilhões de euros (R$ 64,2 bilhões) na União Europeia e no Reino Unido em 2024. Foi um aumento de 47% em relação ao ano anterior e uma reversão da tendência de queda que vinha desde 2017. O país que vem se dando melhor com a mudança é a Hungria, que recebeu quatro dos dez maiores aportes, graças a suas fábricas de baterias e peças para carros elétricos.
Tem quem queira. No que parece um déjà vu de 2017, a China demonstra ser a única grande potência que considera o multilateralismo importante. Na terça (20), o país prometeu doar 500 milhões de dólares adicionais nos próximos cinco anos para a Organização Mundial da Saúde (OMS), de forma a cobrir parte do rombo no orçamento deixado pelos Estados Unidos, que saiu da organização no começo do ano sem ter quitado sua dívida de membresia em 2024. A OMS também aprovou no mesmo dia um adicional de 20% de todos os Estados Membros. O aperto fiscal exigiu um estudo para a redução de projetos e de funcionários, com uma previsão de redução de 20% de pessoal, tendo já cortado metade da equipe de alta gestão.
Estudar no exterior não é mais garantia de sucesso na China, e muitas famílias ricas estão preferindo educar seus jovens no país. Como conta uma reportagem do jornal South China Morning Post, a mudança tem vários motivos: tensões geopolíticas, custo elevado, um mercado de trabalho persistentemente difícil para os recém-formados e o crescente nacionalismo chinês. Desde o início do ano, algumas províncias anunciaram que não aceitariam a candidatura de diplomados no estrangeiro em prestigiados programas de recrutamento para o serviço civil em 2025; já no mercado privado, empresas afirmam não contratar diplomados no exterior por receio de que sejam espiões – a mesma acusação que acadêmicos chineses sofrem nos EUA. E tudo isso começou antes do governo dos EUA anunciar, nesta quinta-feira (22), um bloqueio de matrículas de estudantes estrangeiros em Harvard, universidade acusada de “se alinhar” com o Partido Comunista chinês. Em 2024, chineses corresponderam a 20% dos estudantes estrangeiros matriculados por lá.
Jovens místicos e o comércio ao seu redor. Raspadinhas e loterias, práticas para “manifestar” sucesso, cristais, astrologia, tarô... não estamos falando do Brasil, mas de práticas adotadas por jovens chineses pós-pandemia. Segundo um ensaio do pesquisador Ansel Li, o ceticismo com a política e a hiperconectividade social geraram uma economia mística na forma de produtos e serviços na forma de livestreams, bootcamps e “formações”. Como tudo que envolve a China, as escalas são impressionantes e o desenvolvimento é rápido; cristais, por exemplo: são mais de 40 mil comércios dedicados às pedras no país, movimentando entre 850 e 900 milhões de renminbis (R$ 627 a R$ 705 milhões) em 2024, em um crescimento de 320% em relação ao ano anterior; ao mesmo tempo, a concorrência levou a uma queda de preços de 26%. Já em 2025, o foco está em programas movidos a inteligência artificial que predizem a sorte com base em horóscopos e análises faciais. Como aponta Li, tudo isso acontece apesar da postura materialista e ateísta do governo.
Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.
Q&A: O especialista e escritor Ma Tianjie conversa com o Dialogue Earth sobre o seu novo livro, In Search of Green China, sobre os últimos 30 anos da busca por proteção do meio ambiente em meio a todo o crescimento da economia chinesa.
Relato: O australiano Matthew Radalj contou para a BBC como foram os cinco anos que passou preso (segundo ele, injustamente) em um presídio chinês para estrangeiros em Pequim.
Cannes: O filme surrealista Resurrection, do diretor chinês Bi Guan, está dando o que falar no Festival de cinema na Riviera francesa. Não só pelo protagonista - o bem famoso Jackson Yee -, mas pelas belas imagens e a sensação de estar num sonho. Será que vem prêmio?
Agro: Vale conferir o artigo dos pesquisadores Guilherme Campbell (redator da Shumian) e Ana Julia Moura sobre a abertura do mercado chinês para novos produtos agropecuários brasileiros.
A BBC World Service fez um breve documentário sobre como anda a política de “Um país, dois sistemas” na Hong Kong governada por “patriotas”.
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