Edição 349 – China moderniza a educação para combater o desemprego de jovens
Nesta edição: Uma leitura das biografias oficiais de Xi Jinping | A dependência mútua entre China e Apple | Ferrovia bioceânica: agora vai? | Hack contra a República Tcheca
Curte o nosso trabalho? Então nos ajude a mantê-lo pelo Patreon ou escolhendo uma assinatura paga aqui no Substack.

Aviso ruim ☹️: nosso site encontra-se fora do ar. O servidor foi invadido e estamos sem previsão de retorno. Enquanto isso, o histórico da newsletter segue disponível no Substack; para informações sobre o Clube do Livro de Literatura Chinesa, consulte o Substack da iniciativa.
Aviso bom 😍: a Aline Tedeschi, shumianer conhecida como apresentadora do nosso podcast, segue afastada da equipe – agora para se dedicar à maternidade ❤️. Mandamos os nossos votos de felicidade para esse bebê internacional que nasceu na China.
Qual o futuro do mercado de trabalho chinês? Neste exercício em futurologia, vale olhar para as mudanças que o governo vem promovendo na educação. Como comentamos em março, durante as Duas Sessões o setor foi indicado como um foco para investimentos, seguindo o New Quality Productive Forces (Novas Forças Produtivas De Qualidade), conceito que aposta na tecnologia para alavancar o crescimento econômico nacional. Como conta a newsletter China Policy, um spoiler da aplicação dessa estratégia foi um texto, publicado no início do ano, esboçando os princípios para ajustar programas acadêmicos para “atender às necessidades da economia digital e futuras indústrias”. O efeito imediato foi um reforço da tendência de encerramento de cursos nas artes e humanidades e do aumento nos cursos de saúde e ciência e tecnologias: segundo o Ministério da Educação chinês, 29 cursos superiores foram criados para 2025 “de acordo com estratégias nacionais, demandas do mercado e necessidades de desenvolvimento tecnológico”. Para 2026, de acordo com o pesquisador Wang Peng, consultado pelo Global Times, a expectativa é que novos cursos sejam criados em áreas como ciência da informação quântica, novas energias e suas tecnologias de armazenamento e biotecnologia e biomanufatura. Como contamos várias vezes por aqui, o desemprego de recém-formados vêm aumentando há alguns anos, apesar de diversas iniciativas governamentais visando reverter a tendência.
A educação básica também é foco de mudanças. Ampliando uma estratégia que já vinha sendo adotada por algumas províncias, neste mês o governo central publicou diretrizes para a incorporação e ensino de inteligência artificial na educação primária e secundária. Segundo um resumo oferecido pelo Global Times, a ideia é despertar o interesse pela IA entre os estudantes mais jovens e educar os menos jovens sobre seus princípios técnicos; professores ficam proibidos de usar IAs para realizar suas funções profissionais básicas, como criar conteúdo e avaliar os estudantes, mas devem usá-las para promover uma experiência de aprendizado personalizada. Aqui no Brasil, alguns estados já incorporam a tecnologia na educação – segundo a UNESCO, o Piauí foi um pioneiro nas Américas.
Quem pretendeu-se ser Xi Jinping? Vale ler o ensaio da jornalista e pesquisadora Lucy Hornby sobre as biografias oficiais de Xi Jinping, um exercício notável de leitura. Ao mergulhar nos volumes publicados pela Escola Central do Partido, que se colocam no papel de exaltar a trajetória de Xi como modelo para os quadros do Partido Comunista da China, Hornby não se detém no verniz propagandístico, mas revela as contradições e brechas do projeto político que esses livros tentam consolidar. Ao invés de buscar escândalos ou revelações ocultas, ela expõe o que a própria lógica da produção hagiográfica nos permite enxergar: um Xi consciente da performance, habilidoso em manejar expectativas internas e atento ao papel simbólico que deveria desempenhar diante de diferentes grupos e disputas internas do PCCh. O resultado é menos um retrato do homem e mais um ensaio sobre a pedagogia do poder na China contemporânea e um exemplo de alto nível sobre como se escreve (e se reescreve) uma liderança em tempo real.
Relação tóxica. Apesar de todas as pressões do governo Trump, a Apple sabe que não é só estalar os dedos para sair da China. O recém publicado livro do autor Patrick McGee discute essa dinâmica, os desafios dessa mudança, e a construção de uma dependência que vai além de recursos humanos – também tem a ver com o enorme mercado consumidor chinês e uma cadeia de suprimentos que passa muito pelo país asiático. O argumento de McGee é que a China ganhou tanto quanto a Apple nessa parceria, contando com cerca de 28 milhões de trabalhadores treinados desde que as fábricas chegaram ao país, há 17 anos.
No meio dessa discussão, o The New York Times publicou uma matéria que dizia que parte dessa dependência era pelas “mãos pequenas” e “dedos pequenos” das mulheres chinesas, que deixariam elas mais ágeis. As redes se encheram de reclamações de perpetuação de um estereótipo racista. O jornal manteve seu posicionamento, mesmo após pressão da jornalista Julia Carrie Wong. Uma matéria de 2021 do NYT já analisava a dependência e os incentivos para a empresa ficar por lá (sem mencionar mãos).
Corredor bioceânico. O governo peruano anunciou que buscará uma reunião de alto nível com China e Brasil para destravar o projeto da ferrovia bioceânica, que pretende conectar o interior brasileiro ao novo porto de Chancay, no Pacífico. A iniciativa é estratégica para o comércio com a Ásia, permitindo a exportadores sul-americanos evitar o Canal do Panamá, reduzindo em até 20 dias o tempo de transporte até portos chineses. O anúncio ocorreu após encontro entre o ministro da Economia do Peru e o embaixador da China em Lima, que reiterou o interesse de Pequim em avançar com uma rota logística regional de longo prazo. O projeto, há anos em pauta, ganhou novo fôlego com o recente investimento chinês em infraestrutura no Peru e com as declarações de Lula durante sua visita a Pequim neste mês, onde defendeu a integração ferroviária como peça-chave da segurança alimentar global. Ainda no começo do mês, a ex-presidenta e recém reconduzida presidente do New Development Bank Dilma Rousseff falou que a ferrovia era um dos projetos prioritários da sua gestão.
O governo tcheco acusou a China de realizar ciberataques contra o Ministério de Relações Exteriores do país. O hack vazou milhares de trocas de e-mails diplomáticos, inclusive com instituições da União Europeia (UE). Praga acusou Pequim e nomeou um grupo específico, o APT31, de conduzir a invasão, além de outras tentativas de ataque desde 2022, conta o Politico. O APT31 estaria sob controle do governo chinês, segundo o Departamento de Estado dos EUA, por isso o embaixador da China foi convocado para dar explicações. Citando acusação tcheca, a chefe diplomática da União Europeia Kaja Kallas publicou uma declaração condenando o ataque. Em um momento de aproximação diplomática entre UE e China, e com uma possível cúpula de alto nível em julho, o episódio complica as dinâmicas. Para piorar o clima de desconfiança, a República Tcheca realiza, em outubro, eleições parlamentares que têm tudo para serem tensas.
Voltando um pouco à pauta do desemprego entre jovens: como eles lidam com o cenário desanimador? Já contamos por aqui sobre o neijuan 内卷/involution de 2020 e o tang ping 躺平/laying flat de 2021, baseados na ideia de não se matar de trabalhar por mixaria e retornar a uma vida mais simples; em 2025, vem ganhando público nas mídias sociais um desengajamento mais radical, cujos aderentes se autodenominam rat people (ratazanas). A ideia é ficar na cama tanto quanto possível e evitar qualquer outra atividade, mesmo banhos e o consumo de refeições, que devem ser preferencialmente pedidas via aplicativo. Nesse contexto de baixa energia e enclausuramento, não surpreende uma outra tendência observada nas mídias sociais de jovens da China e de Taiwan: eles têm buscado apoio psicológico não de profissionais, mas de inteligências artificiais – uma tendência global, identificada em análise do Harvard Business Review. Entre as razões apontadas, estão a vergonha em se expor e a falta de acesso a profissionais de saúde.
Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.
Totalmente premiado: Deu bom, e o diretor chinês Bi Gan foi premiado mesmo em Cannes. Ele recebeu o Special Award (Prix Spécial) por Resurrection. O filme ainda não tem data de estreia no Brasil.
Fotografia: A abertura da nova exposição de Sebastião Salgado em Xangai chegará um tanto triste, após a morte do fotógrafo no dia 23 de maio. A mostra abre em julho, como conta Marcelo Ninio. Algumas das suas fotografias estiveram expostas em Pequim no ano passado, no contexto da celebração dos 50 anos das relações bilaterais.
Além de Xinjiang: Uma reportagem interativa do The New York Times mostra como o governo chinês desloca prisioneiros uigures para fábricas em outras regiões como forma de evadir boicotes e sanções.
Como os museus chineses estão se modernizando? Este vídeo do canal China Hoje mostra as inovações de museus em Nanjing.
Gostou da edição? Nos acompanhe também pelas nossas demais plataformas: