Edição 351 – Semana de geopolítica das terras-raras e tarifas
Nesta edição: Rumores sobre a substituição de Xi Jinping | Propaganda em tempos de anti-imigração | Velhos aos 35 | O matriarcado em Shandong
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Como se faz um rumor? Se estivermos falando do sistema político da China, bastante opaco em comparação com outros países, basta apenas um leve “sumiço” de um líder para que surjam rumores sobre o tamanho de seu poder. Como conta o jornalista estadunidense Bill Bishop, agora no começo de junho voltou à tona o boato sobre a substituição de Xi Jinping. Os motivos que levaram ao retorno da especulação têm como base uma ausência de anúncio de reuniões do Politburo, parcas aparições de Xi, um expurgo nas Forças Armadas e uma pitada de intriga sobre o crescimento de Li Qiang. Como o próprio Bill conta em sua newsletter Sinocism, muito dificilmente saberemos o que está de fato acontecendo, mas recomendamos a leitura para que pelo menos os motivos fiquem mais claros. Para quem quer se aprofundar no espaço que o primeiro ministro chinês Li Qiang ganhou, a Foreign Policy traz um texto interessante. Já as mudanças no meio militar estão aqui no Asia Nikkei (e em várias de nossas edições passadas).
Um novo peão geopolítico de Pequim. A China intensificou seu controle sobre a exportação de terras-raras, fundamentais para as indústrias de eletrônicos, veículos elétricos e defesa, exigindo que empresas estrangeiras que buscam obter licenças de exportação compartilhem dados sensíveis como listas de clientes, processos produtivos e vídeos das linhas de produção. Essas exigências têm levantado preocupações sobre proteção à propriedade intelectual, já que os fabricantes ocidentais acabam pressionados a optar entre preservar segredos comerciais ou garantir acesso aos insumos críticos. Em meio às negociações comerciais com Trump, Pequim relançou por seis meses as licenças de exportação para os EUA, substituindo o modelo anterior de prazos mais longos. Do outro lado, Washington relaxou restrições sobre motores a jato e etano, num jogo de equilíbrio estratégico que adia (mas não elimina) a vulnerabilidade americana a essa cadeia produtiva.
Na mesma linha, a China avançou para garantir acesso contínuo às matérias-primas, financiando e protegendo novas minas de terras-raras no estado de Shan, em Mianmar, com apoio da milícia local. A medida reforça o domínio chinês sobre elementos pesados como térbio e disprósio, essenciais nos ímãs de alto desempenho, ampliando o controle da cadeia de valor desde a extração até a distribuição global.
Bumerangue. Donald Trump anunciou nesta quarta-feira (11) que EUA e China chegaram a um acordo comercial após dois dias de negociação em Londres. Ainda não há uma definição oficial sobre o assunto, mas o presidente dos Estados Unidos destacou que a China deve remover temporariamente as restrições impostas sobre a exportação de terras-raras para os EUA, que por sua vez devem permitir o acesso de estudantes chineses às suas universidades; no que diz respeito a tarifas, como comentam alguns críticos, deve haver um retorno à situação anterior aos saltos tarifários de Trump em abril.
O lado chinês da negociação ainda não se manifestou sobre o novo acordo. Na mesma quarta-feira, o premiê Li Qiang falou aos quadros do Partido, reforçando que, no momento, o caminho da modernização chinesa é “pesado e difícil, com a situação externa complexa e severa”, e que cabe aos líderes anteciparem esses desafios e implementarem políticas de acordo.
Para quem acha que a batalha entre os EUA e China se dá apenas no comércio, a Semafor conta como o fechamento de cerco contra a imigração por Donald Trump tem coincidido com um sucesso chinês em promover o país asiático pela propaganda. Pequim criou um programa para atrair influencers dos EUA em solo chinês para mostrar o quanto o país é tecnológico. O tema virou reportagem na Bloomberg, que destaca como alguns desses nomes fortes da internet estadunidense descolaram viagens grátis para mostrar “a China real” em suas redes. Como já contamos por aqui, um dos exemplos é o IShowSpeed, que atingiu 11 milhões de views com um vídeo de nove horas no Youtube, no qual apresenta a cidade de Shenzhen. Na contramão, o tiktoker mais popular do mundo, o ítalo-senegalês Khaby Lame, foi obrigado a deixar os EUA após uma denúncia feita ao departamento de imigração.
Para a indústria de tech na China, ter 35 anos é ser velho demais. Essa é uma realidade que pessoas do setor têm enfrentado ao procurar empregos ou mesmo ao se deparar com demissões sucessivas logo após atingir essa idade. O South China Morning Post conta essa história por meio de uma videorreportagem que revela que em alguns casos o limite etário aparece claramente descrito na vaga de emprego. Mas não é só na tecnologia que o problema se manifesta: em fevereiro, gerou revolta um anúncio para contratação de garis que limitou os candidatos àqueles menores de 35; houve também um caso de vagas para caixas de supermercado dedicadas a pessoas de até 30 anos. Para lidar com o aumento de ocorrências desse tipo, membros do governo vêm tentando aprovar leis para combater a discriminação contra trabalhadores maduros – mas o estado é parte do problema: o concurso para selecionar candidatos para o serviço civil é limitado a pessoas de 18 a 35 anos, com exceção de recém-mestres e doutores, que podem ter até 40 anos.
Expandindo a História. Nesta semana, o periódico científico Nature publicou os resultados surpreendentes de uma investigação realizada pelo Instituto de Relíquias Culturais e Arqueologia da Província de Shandong em parceria com a Universidade de Pequim: Shandong teria abrigado duas comunidades pré-históricas matrilineares. A descoberta foi feita por meio da análise genética de amostras de mais de 4.500 anos, coletadas entre 1985 e 2021 em dois cemitérios no sítio arqueológico Fujia. A única sociedade do tipo já confirmada cientificamente foi encontrada na América do Norte e existiu entre os anos 800 e 1300 – ou seja, é bem mais recente. Vale conferir o texto da Sixth Tone sobre o assunto (em inglês), que explica a descoberta com um pouco mais de detalhes, mas sem a linguagem acadêmica do artigo da Nature.
Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.
Podcast: O The Little Red Podcast está fazendo uma série sobre crenças e ideologias na China moderna e o terceiro episódio foi sobre a psicologia e o boom da prática nos últimos anos.
Onde está a cor que estava aqui: Esta matéria interativa do Sixth Tone conta sobre a busca (e possível descoberta) do pigmento roxo encontrado em obras de arte de 3 mil anos na China. A história é mais fascinante e curiosa do que parece.
Peixe de Babel: Mães e pais chineses tem uma nova tecnologia para ajudar seus filhos a praticarem o inglês sem sair de casa – e sem precisarem aprender a língua eles mesmos: uma máscara tradutora.
A newsletter Broad and Ample Road conversou com o saxofonista Minyen Terry Hsieh sobre o presente e o passado do jazz em Taiwan, e como a música se relaciona com a política no estreito.
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