Edição 354 – Fábrica da BYD inicia operações no Brasil; cresce turismo brasileiro na China
Nesta edição: Crackdown no sistema legal |Chineses em alta no mercado de AI | China e Rússia |Brechas do Firewall | Enchentes no Sul chinês
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Num raro movimento, a Procuradoria Geral da China admitiu a prática de tortura e descumprimento legal em investigações no país. O reconhecimento veio acompanhado da criação de um departamento para investigar possíveis casos. Historicamente, o governo do país nega as críticas de ausência de transparência no sistema legal e jurídico, embora tenha havido sucessivos casos de desaparecimento de advogados e ativistas de direitos humanos ou ainda ausência de acesso a pessoas mantidas sob custódia do estado.
Mentes brilhantes, janelas estreitas. Na mais recente investida de Mark Zuckerberg na corrida por inteligência artificial, a Meta contratou quatro dos principais pesquisadores chineses da OpenAI. Os profissionais são formados por universidades de elite da China, como Tsinghua, Peking e Zhejiang, e têm no currículo passagens por gigantes como DeepMind, Nvidia e Apple. A movimentação ocorre semanas após a empresa adquirir 49% da Scale AI por US$14,2 bilhões, trazendo seu CEO, Alexandr Wang, para liderar o esforço da Meta em IA. Segundo o próprio Sam Altman, da OpenAI, a empresa de Zuckerberg estaria oferecendo bônus de até US$100 milhões para atrair engenheiros de ponta. Só no mês de junho, o empresário recrutou ao menos oito nomes de peso ligados à rival.
Enquanto isso, a China ensaia uma tímida e restrita abertura. Na província de Hainan, no extremo sul do país, o governo lançou um projeto piloto que permite que funcionários de empresas com atuação local solicitem acesso direto à internet global. Em outras palavras, isso quer dizer o direito de furar o Great Firewall sem uso de um serviço de VPN. Sites como Google, Facebook, Youtube, TikTok e alguns veículos noticiosos são proibidos no país. Apesar de inovadora, a medida não pode ser ainda comemorada. Isso se dará de forma controlada. O programa, batizado de Global Connect, exige que o usuário esteja conectado à rede 5G no serviço de uma das três maiores estatais de telecom do país. A empresa à qual o funcionário está vinculado deverá submeter dados do serviço de seguridade social ao governo. A estimativa é de que a aprovação para a ampliação do acesso à internet possa levar até cinco meses para ser aprovada. A iniciativa é parte de uma tentativa de Pequim de transformar Hainan em um local de livre comércio, plano que até agora não engrenou.
Neste domingo (6), o 14o Dalai Lama completa 90 anos em meio a uma conferência com mais de 100 líderes do budismo tibetano, iniciada na última segunda-feira (2) em Dharamsala, na Índia. Embora tenha declarado a expectativa de viver por mais algumas décadas, sua sucessão dominou a cobertura jornalística do encontro. O monge declarou que seu comitê segue sendo a única autoridade no assunto, e que será mantida a tradição de selecionar o próximo Dalai Lama apenas após a sua morte, por meio do processo de identificação de crianças que demonstrem o potencial de serem sua reencarnação. Uma consequência desse costume (e a razão pela qual ele estava ameaçado) é que o papel de Dalai Lama fica vago após a morte de seu ocupante, uma brecha que poderia ser explorada, por exemplo, por uma santidade indicada por Pequim, como já explicamos há alguns anos. Embora o Partido Comunista da China seja oficialmente ateísta, a afirmação da autoridade do comitê de seleção levou o ministério das relações exteriores chinês a declarar que cabe a Pequim aprovar o sucessor e a repreender a Índia, que apoia a decisão dos monges. Anteriormente, o Dalai Lama já havia afirmado que deve reencarnar na Índia, onde vive exilado desde a invasão chinesa no Tibet nos anos 1950 e o levante tibetano de 59. Seja quem for o próximo líder do budismo tibetano, essa figura é formalmente apenas espiritual: desde 2012, o Governo Tibetano no Exílio é liderado por representantes eleitos democraticamente.
Depois de muita espera, a fábrica da BYD finalmente foi inaugurada no Brasil. Apesar de a fabricante de carros ter iniciado as operações em Camaçari na última terça, por enquanto, os veículos têm chegado em solo brasileiro parcialmente montados, com a lataria inclusive já pintada. Apesar de o início de operações ser comum nesses moldes, analistas do setor temem que isso signifique que a China não pretende movimentar o mercado local comprando de fornecedores do país.
Enquanto isso, o número de brasileiros querendo viajar para a China cresce. A CVC afirmou que a busca por pacotes turísticos ao gigante asiático teve alta de 430% entre meados de maio e o fim de junho. Essa alta tem relação com o anúncio da isenção de vistos para brasileiros. A medida entrou em vigor em 1o de junho deste ano.
A realpolitik segundo Wang Yi. Em conversa com a chefe da diplomacia da União Europeia, Kaja Kallas, o chanceler chinês Wang Yi afirmou que Pequim “não quer ver a Rússia perder” a guerra na Ucrânia. Segundo fontes ouvidas pelo South China Morning Post, a explicação foi estratégica, onde uma eventual vitória ucraniana poderia liberar os EUA para redirecionarem seu foco totalmente para a China. A declaração surpreendeu parte da delegação europeia pelo tom direto, contrastando com a posição de “neutralidade” tradicionalmente adotada por Pequim. Ainda assim, Wang rejeitou qualquer acusação de apoio financeiro ou militar à Rússia, alegando que, se esse fosse o caso, “a guerra já teria terminado”. O encontro durou mais de quatro horas e incluiu o que diplomatas descreveram como “aulas de história e realpolitik” oferecidas por Wang à ex-primeira-ministra da Estônia.
As chuvas intensas da temporada, agravadas pela passagem da tempestade tropical Wutip, colocaram o sul da China em alerta máximo. Rios transbordaram até quatro metros acima do nível seguro em províncias do sul do país como Guangxi e Guizhou, provocando deslizamentos, danos à infraestrutura e bloqueios em vias locais. Em meio ao caos, um agricultor de Guangxi usava seu drone para transportar mantimentos quando avistou um vizinho ilhado em cima do telhado. Sem hesitar, improvisou um resgate e içou o homem até um local seguro, o vídeo viralizou e pessoas nas redes celebraram com frases como “a China vive no futuro”. Especialistas, no entanto, alertam: drones agrícolas não são projetados para salvamentos e ainda carecem de sensores e protocolos adequados.
Romance entre meninos dá dinheiro – e cadeia. Jornalistas de veículos ocidentais chegaram à pauta que o What’s on Weibo já trazia em novembro de 2024, como publicamos aqui: autoras de danmei, romances eróticos gays, vêm sendo presas por violar a lei antipornografia chinesa e obrigadas a abrir mão do dinheiro recebido por seus textos, a maioria deles publicados no site Haitang Literature City. Segundo a apuração de Vivian Wang para o The New York Times, a polícia da província de Gansu teria detido mais de 50 autoras de diversas províncias nas últimas semanas. A motivação, especula-se, seria financeira – é comum que as sentenças se resumam a um pagamento cujo valor é o dobro do que foi arrecadado pelos textos. Liang Ge, professora de sociologia digital na University College London, consultada pela BBC, ressalta também que o danmei é um gênero subversivo por libertar a sexualidade feminina dos limites impostos pela heterossexualidade, e que a repressão fica mais forte à medida que a pressão governamental para aumentar a natalidade no país aumenta.
Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.
Jardinagem: Uma exposição no Museu da Cidade Proibida explora o papel de jardins na busca humana por beleza e expressão filosófica na China e no restante do mundo. Guo Xinyue, assistente de curadoria da exposição, escreveu um texto sobre a exposição para a SixthTone.
Música: Nos porões do mundo pré-stream, uma geração de músicos independentes reinventou Pequim. Anaïs Martane fez da cena memórias, e das memórias, um retrato íntimo de uma cena cultural.
Literatura: A PublishNews entrevistou Liu Zhenyun, um dos autores e roteiristas mais celebrados da China, e embaixador da Feira Internacional do Livro de Pequim. Liu indicou o interesse de uma grande editora brasileira por suas obras – vem aí?
Bruce Lee é uma figura da qual honconguenses se orgulham muito, inspirando até mesmo manifestantes políticos. No entanto, um museu dedicado ao artista e filósofo, mantido por sua família, encerrou suas atividades nesta semana por falta de financiamento
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Além da guerra tarifária, agora uma guerra por talentos chineses, como as empresas e o próprio governo irá reagir a isso? São muitos milhões envolvidos, não consigo imaginar quem negaria para pular pra concorrente, recebendo propostas assim.